sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Largo Amor

Para enxergarmos, claramente, o aproximar daquela enorme nuvem, que como uma grande colcha ameaçava cobrir por inteiro todo o Largo da Carioca, era preciso deitar-se no chão.
Bem próximo à saída do metrô, colado ao muro do Convento de Santo Antônio, André, deitado no chão, há alguns minutos, encarava o céu.

Do outro lado do Largo, em pé e olhar fixo para baixo, Joana buscava todas as forças do universo para voltar para casa. Faltava-lhe coragem, pois passara as duas últimas horas num motel barato com o ex-patrão, um advogado, casado, duas filhas e um pequeno escritório na Av. 13 de Maio.

André, trinta anos, estava trabalhando, provisoriamente, no Largo. Sua empresa prestava serviços para uma operadora de telefonia e era preciso fazer um reparo na “rede externa”. Depois de abrir um enorme buraco na rua ali perto, ele descansava, pós almoço encostado ao muro. Seus pensamentos eram todos condensados em um único pensamento, Joana.

Joana pensava em Marcos, seu marido e amigo de André desde a infância.
Ela não aguentava mais o relacionamento de dez anos e queria a separação para se casar com o ex-patrão, que por sua vez prometia se divorciar da esposa. Evidente que isso não ocorreu e depois de algum tempo e diversas situações, Marcos percebeu que havia um outro homem na vida de Joana e decidiu que jamais permitiria isso.

Para alguns, o Largo da Carioca é como o “coração” do centro do Rio de Janeiro. Por lá passam milhares de pessoas todos os dias, sempre com muita pressa, e que se misturam com alguns artistas de rua, vendedores e religiosos, que fazem do largo o ambiente de trabalho. Com essa multidão de pessoas que transitam por ali, principalmente em uma das saídas do metrô, tudo parecia pefeito para que Marcos pudesse, segundo ele, dar um fim a essa história.

Envolto em seus pensamentos, André, diferente da enorme nuvem, não percebeu que Marcos, como a enorme nuvem, também se aproximava rapidamente. Já quase próximos um do outro, André se levantou e num gesto extremamente caloroso abriu os braços para receber o amigo. Abraçados, sem que ninguém percebesse, Marcos puxou uma faca e com força golpeou André bem na altura do coração e desceu rapidamente as escadarias da estação do metrô.

André foi escorregando do muro devagarinho até se deitar no chão. Ao ver a nuvem, agora muito próxima, percebeu quão espessa e volumosa ela era, praticamente indissolúvel.

- Como meus pensamentos e medos, pensou.

André sabia que não era ele quem Marcos desejava realmente matar. E por entender que isso não era tão importante, como um último pensamento, André ficou feliz, pois percebeu que morria por amor, morria por Joana, como sempre sonhara.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Hora de me recolher

Tem dias que chego em casa muito nervoso. Venho da rua, bastante acelerado. Sento e percebo que já fiz muita coisa, mas ainda é muito cedo, o sol há pouco apareceu e só agora se mostra mais forte. A ideia de que há inúmeras outras coisas a serem feitas me faz acelerar mais ainda. É preciso desacelerar. Me recolho para ler...

Depois de algum tempo, às vezes muito tempo, começo a ficar sufocado. Como se estivesse sendo coberto pelos pensamentos. Eles, todos muito densos e impenetráveis, formam uma só camada em minha volta e que ameaça me cobrir por inteiro. Tenho a estranha sensação de ser soterrado por uma imensa placa negra que só não se concretiza, porque rapidamente alcanço o branco de uma folha de papel. Me recolho para escrever...

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Agora não, por favor.

Preciso de um pouco de descanso.
Há dias o pensamento em você me escapou.

Preciso lhe entender para entender o que sinto. E sentir essa compreensão.

Os rabiscos lhe agradam. Você os acha belos.
Para mim, tortuosos, ora esclarecedores ora confusos.
Penso que só penso besteira.

Minha mão tenta acompanhar a velocidade de meus pensamentos.
Frase clichê e sem criatividade. Aliás, não há nada tão sem criatividade do que o uso da palavra clichê.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Dor - É o que sinto agora (2005)

Estou encostado na janela. Vocês param diante de mim. Não interesso a vocês, não sou eu quem vocês estão procurando, mas sei onde ele está e com um aceno de cabeça faço a indicação, vocês se colocam ao meu lado e em silêncio também observam.

Ele levanta do sofá e anda em direção à cozinha. Para na soleira da porta, olha para trás e escuta com atenção o que um de seus amigos tem a dizer. Volta-se para frente e em um rápido movimento coloca a mão direita na parede, a esquerda no peito e inclina o tronco um pouco à frente, tudo no mesmo instante, como se algo lhe apertasse o coração.

Nesse momento, um fato nos chama a atenção. Durante sua contração, o olhar permaneceu fixo na geladeira. (No lugar em que estamos não é possível enxergar geladeira nenhuma, mas sabemos que existe uma pela luz que ilumina a cozinha toda vez que, ali, alguém entra).

Ele se recompõe e volta ao grupo de amigos e observa-os com bastante atenção.

“Eu sou o pior.
Não sou nem de um lado, nem do outro.
Não sou do direito, nem do esquerdo.
Do Bem ou do Mal. Certo ou Errado.
Não sou felicidade, nem tristeza.

A única certeza que tenho é que possuo uma covardia enorme para julgar todos vocês”.

Logo é interrompido por um de seus amigos que pergunta no que ele acredita.
Ele olha em nossa direção. Apreensivo, seu olhar percorre e desafia os nossos.

De maneira indiferente, ele se retira da sala.

A caminho de casa, dentro do ônibus, ele pensa:

“Acredito no amor.
O amor que é capaz de fazer com que duas pessoas, que nunca tinham se visto antes, ao se ver, tenham a certeza de que o que mais querem é ficar juntas para o resto de suas vidas.

O amor que nos faz admirar o jeito de falar, andar, sorrir, brigar, chorar, dormir...

O amor que nos mostra a impossibilidade de viver sem você.

Eu acredito no amor.
No amor que vou sentir para sempre, mesmo sem vocês por aqui.
Um amor que dói e que por isso me certifica de que estou vivo,
Vivo sentindo essa dor, vivo para sentir esse amor.”

No apartamento, vocês se levantam e vão até a geladeira.
Branca, grande e, exatamente, bem em frente à porta.

Espalhados na parte de cima da geladeira, cerca de quinze ímas, entre pizzarias, farmácias e lembranças de nascimentos e cidades turísticas. Mais abaixo uma foto: Uma mulher linda e uma menina sorridente. Ao lado, um bilhete.

Amor,

Fomos para a casa da Cris. Amanhã nos encontramos no almoço na casa do Mau.

Pai,

Não esquece sua sunga.

Beijos, te amamos.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Flerte? Teatro?

Terceira tentativa: (não, vocês não conhecerão as duas primeiras)

Tento escrever sobre a situação em que temos uma das partes de um casal flertando com uma terceira pessoa, em uma festa, num bar, restaurante, casamento, velório, tanto faz.

Não quero descrever todo o flerte propriamente. O que quero é refletir sobre ele. Que acontece ou acontecerá é fato. Quero saber por quê ele existe? Aliás, melhor, saber não. Quero sentir.

Imagino que desempenhamos as três personagens, claro que uma de cada vez. E que não temos como escolher qual representar naquele momento. Nós é que somos escolhidos. Como se nossa vida, a qual não temos nenhum controle, designasse nosso papel.

Homem, mulher, outro(a).

A parte do casal que flerta - O que ela quer? Uma aventura? Mudar? Chega de sua vida medíocre?
Não quer nada. Tem, apenas, uma pessoa interessante olhando para ela.

A parte de fora do casal, e que flerta - Quer uma companhia? Só por esse momento ou para o resto da vida? Depende, claro... Quer ver o circo pegar fogo? É um teste?
Não quer nada. Tem, apenas, uma pessoa interessante olhando para ela.

A outra parte do casal, de fora do flerte - No momento tudo bem. Sem questionamentos, inquietações. Será que percebe algo? Não sei. Não importa. Não, agora.

Mas os papéis vão mudar. Vamos interpretar o outro, e que também faz parte de nós.

Qual papel interpreto agora? Não sei. Não estou no cenário adequado...

quarta-feira, 31 de março de 2010

Solidão

"A gente foge da solidão quando tem medo dos próprios pensamentos."
(ÉRICO VERÍSSIMO)


"Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite."
(CLARICE LISPECTOR)

O desafio

Ele era um requisitadíssimo e respeitado tradutor. Seu conhecimento gramático e cultural fazia-nos acreditar que todas eram suas línguas nativas.

Porém, como era difícil traduzir seus sentimentos. A que dicionário ou gramática recorrer, para explicar a confusão torturante em que se encontravam seus pensamentos.

Fazê-la entender, que os medos (seu e dela) desapareciam quando se deitavam juntos, era, certamente, seu maior desafio.